quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Um puta mano, tá ligado?



Nesta segunda (24.09) o "Roda Viva" recebeu o Mano Brown do Racionais MCs. Avesso a entrevistas, ele declarou ter aceito o convite por já ter assistido o programa algumas vezes "mesmo não entendendo algumas palavras".

Por cerca de uma hora e meia ele respondeu a perguntas feitas pelos entrevistadores convidados como o escritor e roteirista de "Cidade de Deus", Paulo Lins, a psicanalista Maria Rita Kehl, e o editor Paulo Lima, da "Trip".

Separei alguns trechos:


[...]

PAULO MARKUN: Uma coisa, aliás, em relação ao rap, André Fernandes aqui de São Paulo pergunta: O que é diferente entre o rap americano e o brasileiro?

MANO BROWN: Acho que o rap americano é mais evoluído, eles alcançaram um lugar onde eles deveriam estar mesmo, hoje eles usam a favor deles, eles usam a máquina, a máquina é podre e eles estão fazendo, já que é podre e não vai melhorar eles fazem o dinheiro vir para o lado deles. A gente sabe.

PAULO MARKUN: Mas o discurso social lá não é tão forte como aqui.

MANO BROWN: Eu não estou na fase de exigir um controle de rap esse discurso social. O rap é um músico, acho que ele tem que falar de sociedade o que ele sente. Se não sente não tem que falar, não é porque é rapper que tem que falar de problema crônico, sociedade e tal. Acho que o cara tem que ser livre, o compositor, o letrista.
Você não pode chegar, pegar o moleque que está agora começando dentro da casa dele, num cômodo e jogar: Fala desses problemas aqui que é a sua cara. Jogar um fardo de 200 quilos nas costas do moleque sendo que dentro da casa dele ele não tem o mínimo para ele. Entendeu? Ele tem que lutar pela vida dele, e o rap é isso também, é lutar pela sua própria vida também, individual, lutar pela sua sobrevivência.


[...]

ENTREVISTADOR: Você é a favor da legalização?

MANO BROWN: Se é para negar todas as drogas, nega todas. Entendeu? Para acabar a hipocrisia.

JOSÉ NÊUMANE PINTO: Você é a favor de legalizar?

MANO BROWN: Eu não sou a favor de nada, sou a favor que todo mundo vivesse bem e não precisasse de droga nenhuma para entender nada. Você conseguisse entender o mundo que você vive sem usar nada. Eu sou a favor disso. Mas quando você passa a não entender o mundo que você vive, você recorre a alguma coisa, quem sou eu para dizer que ele é isso, ele é aquilo, ele é B, C, traficante, usuário, eu não sou ninguém, meu. São situações. Você vive numa situação hoje que você está bem. Você é jornalista, você opina, você fala. Forma opinião. Amanhã você não sabe, mano? A vida é assim. Então a gente aprendeu isso. A vida é assim. Você está legal, amanhã você não sabe.
Você pode estar no beco dos tristes lá. Tá ligado? Você pode estar lá!
Então, os tristes estão lá no beco, vamos ver o que é que eles estão pensando em vez de recurso minar, falar que eles são o lixo ou falar que... né? Vamos lá ouvir o que eles, por que é que eles não se adaptam a nada, eles não gostam de nada? Por que é que eles preferem esse caminho e não o outro que vocês insistem que tem que ir?


[...]

PAULO LIMA: E essas ONGs todas que estão entrando nas periferias do Brasil inteiro?
Aparentemente o lado rico da sociedade está entrando através das organizações não‑governamentais etc.
Primeiro, eu queria saber se você está nas ações delas. Segundo eu queria saber se você acha que a motivação é deliberada, é uma tomada de consciência ou é mais culpa e medo?

MANO BROWN: Não.
Eu tenho, por exemplo, assim, por exemplo, tem lá no Capão tem a casa do Zezinho, certo? Que eu já visitei, conheci, conheço a tia dali. Uma pessoa que a gente vê o trabalho. A gente vê que ali não tem porque estar fingindo, porque estar querendo. O mundo dela é aquele ali mesmo, ela quer aquilo ali mesmo. Os troféus dela está ali mesmo. A gente vê. Eu não vou lá todo dia eu sei que é assim.
Então, eu acredito que existem pessoas realmente que estão a fim de mudar, de participar e fazer a mudança. Existe. No Capão se eu falar que o capão é um lugar desassistido, eu vou estar mentindo. É o lugar talvez hoje dentro das periferias de São Paulo um dos lugares mais assistidos por, organização não‑governamental, por movimento. De vez em quando está com câmera no capão falando francês e inglês, o que está acontecendo aí.
E a criminalidades caiu lá completamente.
Sim, pergunta por quê? Porque a comunidade ajudou. A comunidade que faz acabar a violência, a polícia não faz.

ENTREVISTADOR: Assim, aquele projeto da Marta, aquela escola. Eu visitei a escola e gostei muito na época. Como é que está o CEU hoje? O que é que você acha daquele projeto?

MANO BROWN: O CEU é um castelo. É o sonho do rapper. Acho que quando eu comecei a fazer letra de rap eu imaginaVA um lugar que nem o CEU.
Pô, não tem isso, não tem aquilo. Você pegar fim de semana no parque, fala daquilo ali.
E pô, quando a Marta perdeu a eleição, eu cheguei desacreditar até de mim mesmo. Eu falei: Pô não é possível. A mulher fez esse monte de escola aí para nós, para nós e nossos pivetes, nossos moleques e ela perdeu a eleição. Aí eu percebi o quê? Que a nossa classe é desunida. E a classe rica é unida. A classe média, a finada classe média já que ainda se julga ser, e a classe B e A, eles fizeram a Marta perder a eleição.
E a nossa classe, que tinha que ter elegido ela, a gente estava dividida.

MARIA RITA KEHL: O que dividiu?

MANO BROWN: Valores diferentes, valores que não deveriam nem ter vindo à tona. Tipo assim, a mulher separou do marido e está com outro cara um argentino. Umas pegadas que, tá ligado? Foi juntando uma coisa com outra. Foi gerando não vou dizer uma antipatia, mas vamos dizer assim, um desafeto assim. Tá ligado? Fala: Não, prefiro aquele outro lá com cara de.... Que não está com nada mesmo e vou votar nele mesmo.
Mas, todo mundo sabia que a Marta ia fazer a diferença. Mas votou contra.
Tá ligado? É um tipo de revolta que eu não entendo. Eu falei: Eu cheguei a discutir com os caras, como assim você vai votar no Serra, mano? Como assim?

PAULO MARKUN: Fechou o CEU?

MANO BROWN: Não, meu filho vai no CEU, meus sobrinhos vão no CEU, meus priminhos vão no CEU.


[...]

PAULO MARKUN: Estamos de volta com o último bloco do Roda Viva. Hoje entrevistando Mano Brown, do Racionais MC´s. Pergunta de Elza da Silva Carlos, de Ribeirão Pires: O que é que você acha das cotas para negros?

MANO BROWN: Acho importante. Acho que o movimento negro está na vanguarda porque o ensino deveria ser realmente gratuito para todos e os negros estão na linha de frente nessa parte aí eu acho que politicamente nós estamos mais adiantados. Porque, na verdade, o ensino é... faculdade, a faculdade, o ensino superior, ele deveria ser gratuito. Na minha visão. Porque há países que, Cuba deixou de ser Nova Iorque para ser pelo menos Cuba.
Brasil não, quer ser Nova Iorque. Então, a gente esquece de fazer as coisas mais simples, como dar condições para as pessoas serem o máximo que elas puderem ser. E não tentar ser francês.
Tipo assim, se você dá condição para o brasileiro ser um homem no mundo, não digo só dentro do Brasil, dá condições de um homem comum brasileiro ter uma faculdade e ele ter um ensino superior, um ensino decente. Vai ser superior, eu digo um ensino, uma cultura que ele vai poder concorrer né... no mundo, né? No mercado do mundo, né, pelo emprego dele, você vai ter um país forte. Você vai ter um país bom. Se todas as pessoas tiver o ensino.
A partir do momento que você renega o ensino para a grande maioria e deixa uma minoria no poder perpétuo, trocando de pai para filho na mesma cadeira. Só trocando as pessoas, a família continua a mesma, os donos, entendeu?
Então, eu acho que isso faz o Brasil perder. Quando todos tiverem condições de ter um ensino, o Brasil vai ser, vai crescer, o Brasil todo. Entendeu?
Então, a cota para negro, eu acho que deveria mudar esse termo, porque na verdade o movimento negro lançou um desafio para o governo cabuloso, porque o Brasil deve para os negros muito. Deve muito. Mas não deve só a faculdade, deve muito mais.
A faculdade é só um detalhe. O ensino para que os negros possam competir de igual no mercado mundial, não digo nem brasileiro, mundial, por que não disputar um emprego com um cara lá na, em Paris, por que não?
Os ricos, eles mandam os filhos estudar fora, né? Entendeu? Não manda? E por que também a gente não poderia disputar um emprego fora, ou dentro, ou qualquer lugar? Desde que você tenha condições de disputar. Quando você não tem condições, aí você se torna um problema. Entendeu?
Então, a cota para negro é o mínimo.

JOSÉ NÊUMANE PINTO: Cuba tem um ditador lá há 47 anos e não é, propriamente, um exemplo de prosperidade nem de competição, né?
MANO BROWN: Sim. Depois que todo mundo ajudou a afundar Cuba é fácil. Mas, por exemplo, eu usei no exemplo assim, Cuba valorizou mais as pessoas e menos as máquinas. Então, você tem lá médicos, você tem os atletas, você tem as pessoas e o mundo tratou de boicotar Cuba para que isso acabasse, né? Certo? De uma certa forma isso, infelizmente, vai acabar e Cuba vai ser um exemplo de fracasso. Mas não é fracasso. Tá ligado. Não é um fracasso, deu errado porque foi embargado.
PAULO LINS: Você é socialista, você acha que todo mundo tinha que ser igual, trabalhar igual, ganhar igual?

MANO BROWN: Deveria ser igual, lógico, eu não vou falar eu sou isso, eu sou socialista. Eu sou eu. Mas, por exemplo, eu penso assim, não deveria faltar comida para uns e sobrar para outros. Tipo, eu fui para o exterior, já viajei para fora. Eu vi os caras jogando prato de comida fora assim. Duas colheradas e joga fora. Eu falei para o cara, no Brasil isso alimenta duas famílias, ele falou: Irmão, aqui é Nova Iorque.

MARIA RITA KEHL: Mas aqui também se desperdiça muito.

MANO BROWN: Mas tem gente que pensa que está em Nova Iorque. É o que eu falo. Eu acho que o grande problema do Brasil é que a gente nunca se aceitou nem como Brasil direito.

RENATO LOMBARDI: Brown, qual o seu grau de instrução, hein?

MANO BROWN: Oitava série.


Acho que depois da entrevista o Paulo Markun deveria ter pedido demissão do programa. Adoro o Roda Viva, mas nesse programa a escolha dos entrevistadores foi muito infeliz e o apresentador dispensa comentários.

O fato é que ninguém conseguiu chegar a altura de um "semi-analfabeto".

2 comentários:

Sávio disse...

muito bacana a entrevista, pena que eu nao vi. pelo menos deu pra ler algumas partes. lembrando que foi a maior audiencia do Roda Viva no ano.
Beijos.

Anônimo disse...

Nem sempre o grau de instrução faz a pessoa sem dúvida Mano Brown e um exemplo de pessoa consciente e de forte opinião.Desde o inicio ele nunca teve medo de dizer o que pensa e em toda a sua trajetória deixou muita gente sem palavras.